Sobre casamento e amor
Ed René Kivitz
”Não é bom que o homem esteja só far-lhe-ei uma companheira
que lhe seja suficiente.” (Gn 2.18)
Venho me perguntando o que faz as pessoas optarem pelo
casamento se contam com outras alternativas para a vida a dois. A justificativa
mais comum para o casamento é o amor. Mas devemos considerar que o amor é uma
experiência cuja definição está em xeque não apenas pela quantidade enorme de
casais que “já não se amam mais”, como também pelo número de pessoas que se
amam, mas não conseguem viver juntas.
Talvez por estas duas razões -- o amor eterno enquanto dura
e o amor incompetente para a convivência -- nossa sociedade providenciou uma
alternativa para suprir a necessidade afetiva das pessoas: relacionamentos
temporários em detrimento do modelo indissolúvel. Mas, mesmo assim, o número de
pessoas que optam pelo casamento em sua forma tradicional, do tipo “até que a
morte vos separe”, cresce a cada dia.
Acredito que existe uma peça do quebra-cabeça que pode dar
sentido ao quadro. Trata-se da urgente necessidade de desmistificar este
conceito de amor que serve de base para a vida a dois. Afinal de contas, o que
é o amor conjugal? Para muitas pessoas, o amor conjugal é confundido com a
paixão. Paixão é aquela sensação arrebatadora que nos faz girar por algum tempo
ao redor de uma pessoa como se ela fosse o centro do universo e a única razão
pela qual vale a pena viver. Esta paixão geralmente vem acompanhada de uma
atração quase irresistível para o sexo, e não raras vezes se confunde com ela.
Assim, palavras como amor, paixão e tesão acabam se fundindo e tornando-se
quase sinônimas.
Este conceito de amor justifica afirmações do tipo: “sem
amor nenhum casamento sobrevive”, “sem paixão, nenhum relacionamento vale a
pena”, “é o sexo apaixonado que dá o tempero para o casamento”.
Minha impressão é que todas estas são premissas
absolutamente irreais e falsas. Deus justificou a vida entre homem e mulher
afirmando que não é bom estar só. Nesse sentido, casamento tem muito pouco a
ver com paixão arrebatadora e sexo alucinante. Casamento tem a ver com
parceria, amizade, companheirismo, e não com experiências de êxtase. Casamento
tem a ver com um lugar para voltar ao final do dia, uma mesa posta para a
comunhão, um ombro na tribulação, uma força no dia da adversidade, um
encorajamento no caminho das dificuldades, um colo para descansar, um alguém
com celebrar a vida, a alegria e as vitórias do dia-a-dia. Casamento tem a ver
com a certeza da presença no dia do fracasso e a mão estendida na noite de
fraqueza e necessidade. Casamento tem a ver com ânimo, esperança, estímulo,
valorização, dedicação desinteressada, solidariedade, soma de forças para
construir um futuro satisfatório. Casamento tem a ver com a certeza de que
existe alguém com quem podemos contar apesar de tudo e todos. A certeza de que,
na pior das hipóteses e quaisquer que sejam as peças que a vida possa nos
pregar, sempre teremos alguém ao lado.
Nesse sentido, não é certo dizer que sem amor nenhum casamento
sobrevive, mas sim que sem casamento nenhum amor sobrevive. Não é certo dizer
que sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena, mas sim que sem
relacionamento nenhuma paixão vale a pena. Não é o sexo apaixonado que dá o
tempero para a vida a dois, mas a vida a dois que dá o tempero para o sexo
apaixonado. Uma coisa é transar com um corpo, outra é transar com uma pessoa.
Quão mais valiosa a pessoa, mais prazeroso e intenso o sexo. Quão menos
valorizada a pessoa, mais banal a transa.
Assim, creio que podemos resumir a vida a dois, entre homem
e mulher, idealizada por Deus, em três palavras que descrevem um casal
bem-sucedido:
Um casal bem-sucedido é um par de amantes.
Um casal bem-sucedido é um par de amigos.
Um casal bem-sucedido é um par de aliados.
São três letras A que fornecem a base de uma relação
duradoura. Amante se escreve com A. Amigo se escreve com A. Aliado se escreve
com A. E não creio ser mera coincidência o fato de que todas as três, amante,
amigo e aliado, se escrevem com A... A de amor.
• Ed René Kivitz é teólogo, com mestrado em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, e pastor presidente da
Igreja Batista de Água Branca, SP. É também palestrante e escritor, e dentre
suas obras mais conhecidas estão "Vivendo com propósitos" e
"Outra Espiritualidade", ambas publicados pela Editora Mundo Cristão.
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