VIDA COM GRAÇA

sábado, 1 de agosto de 2015

A INTERFACE DA LOGOTERAPIA E DA RESILIÊNCIA DIANTE DO LUTO

A INTERFACE DA LOGOTERAPIA E DA RESILIÊNCIA DIANTE DO LUTO


Agnaldo da Fonseca Silva




RESUMO
O presente artigo tem como finalidade de apresentar a interface da logoterapia, a psicoterapia de sentido, com a resiliência, no luto. Faz um paralelo da vida do Dr. Viktor Frankl com o conceito de resiliência, bem como suas nuanças e, com relação ao luto elucida tarefas sobre o manejo e o procedimento com a pessoa enlutada, diferenciando cada fase do luto e sua proposta.  Além do mais traz o desafio de considerações dentro dos conceitos de sentido e dos fatores de risco e protetores que favorecem a resiliência. Porém não há qualquer prerrogativa de fechar o assunto, pelo contrário, visa justamente ampliar os caminhos que possam propor outras interfaces e até novas considerações com relação ao assunto.



Palavras-chave: Logoterapia/sentido; resiliência e luto
Desde cedo, o mundo competitivo e globalizado provoca numa sociedade capitalista, o desejo de vencer e todas as euforias de poder, assim brotam algumas atitudes muito comuns na vida do cidadão do ocidente: vencer, ter êxito, realizar sonhos, ser feliz e de alguma forma mostrar que tem uma vida bem sucedida. Os vieses encontrados como recursos para sobreviver e para viver são muitos e, ainda que inconsciente, não há lugar para as perdas e para os fracassos. Lidar com a perda e com a falta, muito bem falada por Lacan em suas obras, é o grande desafio da humanidade. Assim, diante das defasagens que são circunstanciais na vida, provocar e promover um olhar otimista e regenerador é o diferencial que tem sido estudado, tanto pela resiliência (neste caso mais precisamente pela psicologia) como pela logoterapia. Aqui, a proposta é ver a interface dessas duas propostas e como possibilidade de enfrentamento do luto.
            “O luto tem, historicamente, sido facilitado pela família, pela igreja, em rituais de funerais e costumes sociais” diz Worden (1998) e com isso tradicionalmente tornou-se parte de uma cultura e possibilitou estudos de vários teóricos sobre o assunto e, portanto, foi colocado por Freud (1917) como um processo natural da vida humana.  

            Nessa corrida da vida, o que todo mundo de alguma maneira tenta fazer é fugir do sofrimento e do desprazer, que podem vir a se tornar sintomas (Freud; 1917) e com isso produzir um discurso doentio e prejudicial para o bem estar pessoal. Pensando em contribuir para que a vida tenha sentido, tema que deu origem a logoterapia de Viktor E. Frankl (1985) e fornecer artifícios e desejos de pesquisas nessa área, o nosso caminhar é colaborar de alguma forma a reflexão do tema e suas nuanças assim suscitadas enquanto promotores de uma saúde psíquica.

O LUTO E SUAS FASES
            Em se tratando de características existenciais num mundo pós-moderno vamos encontrar algumas variáveis muito comuns na fala do povo, soando com um tom queixoso e de lamento, tanto nos settings terapêuticos como no cotidiano: “um vazio”; “sinto-me sozinho”; “está faltando alguma coisa”; “não me realizo” dentre outras e, algumas dessas declarações vêm carregadas de sentimento dizendo: “quando eu estava com fulano era mais feliz”. Assim, lidar com o luto na vida e na clínica é o desafio, já que o mundo contemporâneo está marcado por relações não muito duradouras e, até por vezes superficiais, acentuando assim esse estado de vazio, de individualismo, de isolamento e carência afetiva.
E o que é o luto? Freud (1917) vai se referir como sendo, “de modo geral, a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como país, a liberdade ou o ideal de alguém (...)” e em outras palavras, pode ser a entendido como toda perda vivida pela pessoa durante toda sua existência e pode iniciar-se com a possibilidade da perda e tomar proporções de acordo com a realidade vivida pelo indivíduo. Já Bowby (2006) referindo-se a uma carta escrita por Freud a Binswanger fala que o estado agudo do luto passa, mas que nunca haverá um substituto ao amor perpetuado e que não há desejo de renunciá-lo. “Seja o que for que venha a preencher a lacuna e ainda que a preenchesse completamente, continuaria sendo, não obstante, uma outra coisa”. Sendo assim, os vínculos estabelecidos e construídos durante toda vida da pessoa, vão trazendo significados de valores tão pessoais, que só podem ser mensurados individualmente. O desafio encontra-se diante da demanda e, é preciso compreender as fases que constituem durante o período de luto para proporcionar insights e saber onde o paciente está diante do luto.
Worden (1998) e Bowby (2006) relatam etapas do luto sob olhares diferentes, mas que podem ser complementares, onde este usa o termo fases e aquele fala através de um prisma aconselhador e por isso, é visto como tarefas. Dentre as quatro fases reconhecidas por Bowby (2006), estão: A primeira, que é chamada de Fase do torpor ou aturdimento, consiste no momento em que a pessoa se depara com a notícia trágica. Esta por sua vez “pode durar algumas horas a uma semana e pode ser interrompida por acessos de consternação e (ou) raiva extremamente intensas”; a segunda é a fase da saudade e busca da figura perdida, que varia entre meses e até vários anos; na terceira fase encontra-se o período de desorganização e desespero e por fim na quarta fase, é o momento de buscar maior ou menor grau de reorganização. Considerando então a ótica de Worden (1998) como princípios e procedimentos do aconselhamento, destacamos aqui alguns aspetos que são relevantes diante do luto, entre eles estão: a) a realidade existente, pois embora possa ter havido de alguma de forma uma antecipação de perda, o enlutado prescinde a realidade; b) identificação e expressão do sentimento, que por vezes não há uma precisão de qual está em maior ou menor grau e, cabe destacar alguns que rigorosamente perpassam pela consciência, dentre os quais: a raiva, a culpa, a ansiedade pelo desamparo e a tristeza; c) o reposicionamento ao ambiente e (ou) ao lugar onde se caracteriza a falta da pessoa e d) a reorganização emocional para dar continuidade na vida.
Diante da temática o que vai divergir é o uso ou não de medicamentos durante uma ou mais fases do luto. Para Freud (1917) o luto não é algo patológico que possa a vir a ser submetido a tratamento médico, conseqüentemente em determinado tempo será superado, “sendo inútil ou prejudicial qualquer interferência a ele”. Todavia Worden (1998) não pensa assim, pois vai dizer que “o consenso geral é de que a medicação dever ser utilizada esparsamente e enfocando o alívio da ansiedade ou da insônia em oposição ao alívio dos sintomas depressivos.” Numa discussão entre uso ou não de drogas, o mais razoável é proporcionar, independentemente do olhar, uma possibilidade que apresente ao paciente recurso necessário para lidar com sua falta. Contudo, a perspectiva aqui é ver a interface da resiliência e da logoterapia nessa caminhada.

LOGOTERAPIA: A PSICOTERAPIA DO “SENTIDO”
            A logoterapia tem origem na trajetória vivida pelo psiquiatra e psicólogo austríaco Viktor Emil Frankl, enquanto ainda bem moço manteve uma relação por cartas com Freud e discordando da teoria de que o ser humano é guiado por pulsões, resolveu então, se juntar a Adler e, logo em seguida abandona esta corrente. Doze anos após se formar em medicina (1930) é levado para o campo de concentração nazista, juntamente com a esposa, seus pais e irmãos. Neste ambiente, onde perdeu todos os seus familiares e restando-lhe apenas sua irmã, vai transformar suas experiências mais marcantes em algo de grande valor para sua obra, bem como para a sua técnica. Em sua estada em Auschwitz começa a elaborar seu método psicoterápico, tendo como laboratório a própria vida e a de seus companheiros de campo de concentração. Diante de todas as atrocidades que rodeavam o seu dia-a-dia, a citar, doenças, fome, frio, nudez, lutos dentre outras, desenvolveu o conceito chamado de otimismo trágico, que é a capacidade de encontrar esperança ainda que em meio ao caos.
Como observador e também experenciando os ocorridos, constatou que alguns lutavam para viver, enquanto outros se jogavam nas cercas eletrificadas para morrerem, numa dessas experiências lançou uma de suas máximas: “quando a circunstância é boa, devemos desfrutá-la; quando não é favorável devemos transformá-la e quando não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos”.  Alavancado por esta realidade começou a traçar caminhos para a sua psicoterapia e, numa mistura de obra-vida-autor, o conceito de λόγος (lógos – radical de logoterapia) – que tem como significado “a razão de uma coisa”; segundo Pereira (1998) e de “sentido” na sua literatura. E o que é o sentido? O sentido algo que precisa ser encontrado, segundo o Dr. Frankl, e quando a consciência o faz, percebe uma Gestalt, porém, ele nos alerta do seguinte: “até o último suspiro a pessoa não sabe se ela realmente cumpriu o sentido de sua vida ou se ela apenas se enganou”, não importando também, até porque o sentido pode ser modificado, pois não está paralisado a uma situação determinada e tampouco a uma pessoa determinada, podendo ser variável de tempo em tempo e de pessoa para pessoa.

RESILIÊNCIA: A REORGANIZAÇÃO QUE SE MANIFESTA
            Originário da Física, o termo tem como conceituação - segundo Ferreira (1999) - “a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica”. Sendo utilizado a partir da década de 70 (setenta) pelo campo das Ciências da Saúde e foi ganhando espaço e familiaridade em diversas áreas. 
Usado em “estudos sobre pessoas que a despeito de terem sido submetidas a traumas agudos ou prolongados – fatores estes considerados de risco para o desenvolvimento de doenças psíquicas- não adoeciam como seria esperado”, assim o conceito foi de alguma forma evoluindo e ganhando adequações de acordo com os mais variados estudos sobre a observação e teorização do mesmo. No entanto, ao transpor o termo e utilizá-lo com relação aos seres humanos, é bom lembrar que a palavra invulnerável, mesmo sendo utilizada por alguns teóricos (Anthony & Cohler, 1987), não deve ser aplicada conceitualmente; pois de acordo com Yunes e Szymansky (2001), na resiliência o indivíduo sofre com a adversidade, pois não está imune, podendo até ficar com suas condições físicas e emocionais comprometidas, porém além de sair do problema, consegue sair fortalecido. Recupera-se do trauma sem se tornar vítima, adquirindo uma capacidade interna de tornar-se flexível diante do desconforto e encontrar um viés de superação. Como parte da resiliência, dois fatores são levados em conta, que são os de risco e proteção. No de risco estão: doenças, morte de ente, desastres, desemprego e etc. Já no de proteção temos: grupos de apoio, redes sociais, religião, entre outros e, como resultado desses dois fatores surge a resiliência como resultado.
Num construto sócio-histórico, inseridos de valores e significados culturais, onde o termo é usado, deste modo a resiliência vai sendo conceituada à medida que se agrupa as idiossincrasias pertinentes a cada um. Então, fatores de risco e proteção, podem variar de acordo com cada país e/ou região, bem como as pesquisas são um retrato desses problemas. Significado e significantes vão estar harmonizados ou não em cada pessoa, dessa forma o que pode ser enfrentado com facilidade por um, pode não ser pelo o outro, ou seja, o que é resiliente para uma determinada pessoa e/ou grupo, pode não ser para outro e vice e versa.
                       
REFLEXÕES FINAIS
            Quando se pensa nas fases do luto, e aqui mais precisamente na reorganização emocional do indivíduo enlutado, cabe-nos apreciar como profissionais da área a questão do sentido ou da resiliência - ainda que não se veja com a ótica focal de algumas correntes – é plausível avaliar esta interface na condução do processo, principalmente se o olhar estiver voltado para a questão existencial. Como vimos anteriormente, pessoas que tem um objetivo, meta, algo para que e/ou quem viver ou qualquer alvo semelhante, estão notoriamente sonhando com a vida, de outra forma, pessoas que abriram mão de algum sentido ou nem se preocuparam em encontrar, tornam-se pessimistas e desmotivadas no processo vital. A vida do Dr Frankl é uma prova real, pois mesmo diante de vários lutos, investiu em si e na vida - apesar de - e acreditando que mesmo diante de tantas privações e sentimentos entenebrecidos, havia algo que ninguém podia tirar dele e daqueles que assim acreditavam: a liberdade de assumir uma escolha alternativa diante do obstáculo. Este projetar para o futuro era o alimento para a alma que sedenta de vida. A história deste homem é exatamente o que Nietzsche (1884) expressou em sua obra “Assim falava Zaratustra”, quando se referiu ao super-homem - o homem que se supera, que se inventa no presente – que ganha internamente força psíquico-orgânica para se refazer ou aprimorar-se.
            Não obstante, os aspectos relacionados à resiliência ou de uma pessoa resiliente favorecem uma comparação ou aproximação de sentido, proposto pela logoterapia, tais como: capacidade de ter projetos, bom humor, senso de auto-eficácia, autocontrole, auto-estima, pensamento crítico, criatividade, perseverança entre outras. Portanto uma pessoa no luto necessita enxergar o sentido ou encontrar e provocar uma ação resiliente de reorganização e maturidade interna diante de um oponente, interno e/ou externo e quiçá circunstancial. No mais, o nosso desejo é provocar estudos e pesquisas que venham contribuir de alguma forma no avanço substancial, ou até mesmo questionar, o assunto aqui proposto.









Referências
http://www.contemporaneo.org.br/artigos/artigo210.pdf - Artigo intitulado: “O Vazio Existencial: de Lacan à Contemporaneidade” de Márcia Maria Luz da Silva; Venus Maria Nogueira; Dr.Vanderlei Brusch de Fraga (2009).
WORDEN, J. William – Terapia do luto: um manual para o profissional de saúde mental/J.William Worden; Trad. Max Brener e Maria Rita Hofmeister.-2.ed-Porto Alegre:Artes Médicas, 1998 (páginas 53-81)
BOWBY, John, 1907-1990. Formação e rompimento dos laços afetivos/Jonh Bowby; tradução Álvaro Cabral; revisão da tradução Luis Lorenzo Rivera. - 4ª Ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2006 – (Psicologia e pedagogia)
FREUD, Sigmund (1917) Luto e Melancolia, edição standard brasileira (vol.XIV). Rio de Janeiro: Imago, 1996
_____. Conferências e introdutórias sobre psicanálise. Os caminhos da formação dos sintomas. Conferência XXIII; 1917.
www.psicologia.com.pt – Artigo como o tema Viktor Emil Frankl: Um exemplo de resiliência, apresentado por Ana Lucia Lima; publicado em 17/09/2010
FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido. Um psicólogo no campo de concentração. Trad. Walter Schluppp e Carlos Aveline. São Leopoldo; Petrópolis: Sinodal; Vozes, 1995
______. A presença ignorada de Deus/ Viktor E. Frankl. Traduzido por Walter O. Schlupp e Helga H. Reinhold. 10. Ed. Ver, - São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2007
PEREIRA, Isidro S.J.Dicionário Grego-Português e Português- Grego – 8ª Ed. – Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1998
SOUZA, Marilza Terezinha Soares de & CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira - Artigo Resiliência Psicológica: Revisão da Literatura e Análise da Produção Cientifica, Revista Interamericana de Psicologia/Interamerican Journal of Psychology – 2006, Vol. 40, Num. 1 pp. 119-126
ANTHONY, E. J. & COHLER, B. J. (1987). (Eds). The invulnerable child. New York: Guilford Press.       
FERREIRA, A. B. de H. (1999) Novo Aurélio: o dicionário do Século XXI. São Paulo: Nova Fronteira. 
YUNES, M. A. M. & SZYMANSKI, H. (2001). Resiliência: noção, conceitos afins e considerações críticas. Em: Tavares J. (Org.) Resiliência e Educação, (pp. 13-42). São Paulo: Cortez.       
NIETZSCHE, Friedrich (1884). Assim Falava Zaratustra. Tradução José Mendes de Souza; Fonte: EbooksBrasil






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