A INTERFACE DA LOGOTERAPIA E DA
RESILIÊNCIA DIANTE DO LUTO
Agnaldo da Fonseca Silva
RESUMO
O
presente artigo tem como finalidade de apresentar a interface da logoterapia, a
psicoterapia de sentido, com a resiliência, no luto. Faz um paralelo da vida do
Dr. Viktor Frankl com o conceito de resiliência, bem como suas nuanças e, com
relação ao luto elucida tarefas sobre o manejo e o procedimento com a pessoa
enlutada, diferenciando cada fase do luto e sua proposta. Além do mais traz o desafio de considerações
dentro dos conceitos de sentido e dos fatores de risco e protetores que
favorecem a resiliência. Porém não há qualquer prerrogativa de fechar o
assunto, pelo contrário, visa justamente ampliar os caminhos que possam propor
outras interfaces e até novas considerações com relação ao assunto.
Palavras-chave: Logoterapia/sentido;
resiliência e luto
Desde
cedo, o mundo competitivo e globalizado provoca numa sociedade capitalista, o
desejo de vencer e todas as euforias de poder, assim brotam algumas atitudes
muito comuns na vida do cidadão do ocidente: vencer, ter êxito, realizar
sonhos, ser feliz e de alguma forma mostrar que tem uma vida bem sucedida. Os
vieses encontrados como recursos para sobreviver e para viver são muitos e,
ainda que inconsciente, não há lugar para as perdas e para os fracassos. Lidar
com a perda e com a falta, muito bem falada por Lacan em suas obras, é o grande
desafio da humanidade. Assim, diante das defasagens que são circunstanciais na
vida, provocar e promover um olhar otimista e regenerador é o diferencial que
tem sido estudado, tanto pela resiliência
(neste caso mais precisamente pela psicologia) como pela logoterapia. Aqui, a proposta é ver a
interface dessas duas propostas e como possibilidade de enfrentamento do luto.
“O luto tem, historicamente, sido
facilitado pela família, pela igreja, em rituais de funerais e costumes
sociais” diz Worden (1998) e com isso tradicionalmente tornou-se parte de uma
cultura e possibilitou estudos de vários teóricos sobre o assunto e, portanto,
foi colocado por Freud (1917) como um processo natural da vida humana.
Nessa corrida da vida, o que todo
mundo de alguma maneira tenta fazer é fugir do sofrimento e do desprazer, que
podem vir a se tornar sintomas (Freud; 1917) e com isso produzir um discurso
doentio e prejudicial para o bem estar pessoal. Pensando em contribuir para que
a vida tenha sentido, tema que deu
origem a logoterapia de Viktor E. Frankl (1985) e fornecer artifícios e desejos
de pesquisas nessa área, o nosso caminhar é colaborar de alguma forma a
reflexão do tema e suas nuanças assim suscitadas enquanto promotores de uma
saúde psíquica.
O LUTO E SUAS FASES
Em
se tratando de características existenciais num mundo pós-moderno vamos
encontrar algumas variáveis muito comuns na fala do povo, soando com um tom
queixoso e de lamento, tanto nos settings
terapêuticos como no cotidiano: “um vazio”; “sinto-me sozinho”; “está
faltando alguma coisa”; “não me realizo” dentre outras e, algumas dessas
declarações vêm carregadas de sentimento dizendo: “quando eu estava com fulano
era mais feliz”. Assim, lidar com o luto na vida e na clínica é o desafio, já
que o mundo contemporâneo está marcado por relações não muito duradouras e, até
por vezes superficiais, acentuando assim esse estado de vazio, de individualismo, de isolamento e carência afetiva.
E
o que é o luto? Freud (1917) vai se referir como sendo, “de modo geral, a
reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o
lugar de um ente querido, como país, a liberdade ou o ideal de alguém (...)” e em
outras palavras, pode ser a entendido como toda perda vivida pela pessoa
durante toda sua existência e pode iniciar-se com a possibilidade da perda e
tomar proporções de acordo com a realidade vivida pelo indivíduo. Já Bowby
(2006) referindo-se a uma carta escrita por Freud a Binswanger fala que o
estado agudo do luto passa, mas que nunca haverá um substituto ao amor
perpetuado e que não há desejo de renunciá-lo. “Seja o que for que venha a
preencher a lacuna e ainda que a preenchesse completamente, continuaria sendo,
não obstante, uma outra coisa”. Sendo assim, os vínculos estabelecidos e
construídos durante toda vida da pessoa, vão trazendo significados de valores
tão pessoais, que só podem ser mensurados individualmente. O desafio
encontra-se diante da demanda e, é preciso compreender as fases que constituem
durante o período de luto para proporcionar insights
e saber onde o paciente está diante do luto.
Worden
(1998) e Bowby (2006) relatam etapas do luto sob olhares diferentes, mas que
podem ser complementares, onde este usa o termo fases e aquele fala através de
um prisma aconselhador e por isso, é visto como tarefas. Dentre as quatro fases
reconhecidas por Bowby (2006), estão: A primeira, que é chamada de Fase do torpor ou aturdimento, consiste
no momento em que a pessoa se depara com a notícia trágica. Esta por sua vez
“pode durar algumas horas a uma semana e pode ser interrompida por acessos de
consternação e (ou) raiva extremamente intensas”; a segunda é a fase da saudade e busca da figura perdida,
que varia entre meses e até vários anos; na terceira fase encontra-se o período de desorganização e desespero e
por fim na quarta fase, é o momento de buscar
maior ou menor grau de reorganização. Considerando então a ótica de Worden
(1998) como princípios e procedimentos do aconselhamento, destacamos aqui
alguns aspetos que são relevantes diante do luto, entre eles estão: a) a realidade existente, pois embora possa
ter havido de alguma de forma uma antecipação de perda, o enlutado prescinde a
realidade; b) identificação e expressão
do sentimento, que por vezes não há uma precisão de qual está em maior ou
menor grau e, cabe destacar alguns que rigorosamente perpassam pela
consciência, dentre os quais: a raiva, a culpa, a ansiedade pelo desamparo e a
tristeza; c) o reposicionamento ao
ambiente e (ou) ao lugar onde se caracteriza a falta da pessoa e d) a reorganização emocional para dar
continuidade na vida.
Diante
da temática o que vai divergir é o uso ou não de medicamentos durante uma ou
mais fases do luto. Para Freud (1917) o luto não é algo patológico que possa a
vir a ser submetido a tratamento médico, conseqüentemente em determinado tempo
será superado, “sendo inútil ou prejudicial qualquer interferência a ele”.
Todavia Worden (1998) não pensa assim, pois vai dizer que “o consenso geral é
de que a medicação dever ser utilizada esparsamente e enfocando o alívio da
ansiedade ou da insônia em oposição ao alívio dos sintomas depressivos.” Numa
discussão entre uso ou não de drogas, o mais razoável é proporcionar,
independentemente do olhar, uma possibilidade que apresente ao paciente recurso
necessário para lidar com sua falta. Contudo, a perspectiva aqui é ver a
interface da resiliência e da logoterapia nessa caminhada.
LOGOTERAPIA: A PSICOTERAPIA DO “SENTIDO”
A logoterapia tem origem na trajetória vivida pelo psiquiatra e
psicólogo austríaco Viktor Emil Frankl, enquanto ainda bem moço manteve uma
relação por cartas com Freud e discordando da teoria de que o ser humano é
guiado por pulsões, resolveu então,
se juntar a Adler e, logo em seguida abandona esta corrente. Doze anos após se
formar em medicina (1930) é levado para o campo de concentração nazista,
juntamente com a esposa, seus pais e irmãos. Neste ambiente, onde perdeu todos
os seus familiares e restando-lhe apenas sua irmã, vai transformar suas experiências
mais marcantes em algo de grande valor para sua obra, bem como para a sua
técnica. Em sua estada em Auschwitz começa a elaborar seu método psicoterápico,
tendo como laboratório a própria vida e a de seus companheiros de campo de
concentração. Diante de todas as atrocidades que rodeavam o seu dia-a-dia, a
citar, doenças, fome, frio, nudez, lutos dentre outras, desenvolveu o conceito
chamado de otimismo trágico, que é a
capacidade de encontrar esperança ainda que em meio ao caos.
Como
observador e também experenciando os ocorridos, constatou que alguns lutavam
para viver, enquanto outros se jogavam nas cercas eletrificadas para morrerem,
numa dessas experiências lançou uma de suas máximas: “quando a circunstância é
boa, devemos desfrutá-la; quando não é favorável devemos transformá-la e quando
não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos”. Alavancado por esta realidade começou a
traçar caminhos para a sua psicoterapia e, numa mistura de obra-vida-autor, o conceito
de λόγος (lógos – radical de
logoterapia) – que tem como significado “a razão de uma coisa”; segundo Pereira
(1998) e de “sentido” na sua literatura. E o que é o
sentido? O sentido algo que precisa ser encontrado, segundo o Dr. Frankl, e
quando a consciência o faz, percebe uma Gestalt,
porém, ele nos alerta do seguinte: “até o último suspiro a pessoa não sabe se
ela realmente cumpriu o sentido de sua vida ou se ela apenas se enganou”, não
importando também, até porque o sentido
pode ser modificado, pois não está paralisado a uma situação determinada e
tampouco a uma pessoa determinada, podendo ser variável de tempo em tempo e de
pessoa para pessoa.
RESILIÊNCIA: A REORGANIZAÇÃO QUE SE
MANIFESTA
Originário da Física, o termo tem
como conceituação - segundo Ferreira (1999) - “a propriedade pela qual a
energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão
causadora duma deformação elástica”. Sendo utilizado a partir da década de 70
(setenta) pelo campo das Ciências da Saúde e foi ganhando espaço e
familiaridade em diversas áreas.
Usado
em “estudos sobre pessoas que a despeito de terem sido submetidas a traumas
agudos ou prolongados – fatores estes considerados de risco para o
desenvolvimento de doenças psíquicas- não adoeciam como seria esperado”, assim
o conceito foi de alguma forma evoluindo e ganhando adequações de acordo com os
mais variados estudos sobre a observação e teorização do mesmo. No entanto, ao
transpor o termo e utilizá-lo com relação aos seres humanos, é bom lembrar que
a palavra invulnerável, mesmo sendo utilizada por alguns teóricos (Anthony
& Cohler, 1987), não deve ser aplicada conceitualmente; pois de acordo com Yunes
e Szymansky (2001), na resiliência o indivíduo sofre com a adversidade, pois
não está imune, podendo até ficar com suas condições físicas e emocionais
comprometidas, porém além de sair do problema, consegue sair fortalecido.
Recupera-se do trauma sem se tornar vítima, adquirindo uma capacidade interna
de tornar-se flexível diante do desconforto e encontrar um viés de superação. Como
parte da resiliência, dois fatores são levados em conta, que são os de risco e proteção. No de risco estão: doenças, morte de ente,
desastres, desemprego e etc. Já no de proteção
temos: grupos de apoio, redes sociais, religião, entre outros e, como resultado
desses dois fatores surge a resiliência como resultado.
Num
construto sócio-histórico, inseridos de valores e significados culturais, onde
o termo é usado, deste modo a resiliência vai sendo conceituada à medida que se
agrupa as idiossincrasias pertinentes a cada um. Então, fatores de risco e
proteção, podem variar de acordo com cada país e/ou região, bem como as
pesquisas são um retrato desses problemas. Significado e significantes vão
estar harmonizados ou não em cada pessoa, dessa forma o que pode ser enfrentado
com facilidade por um, pode não ser pelo o outro, ou seja, o que é resiliente
para uma determinada pessoa e/ou grupo, pode não ser para outro e vice e versa.
REFLEXÕES FINAIS
Quando
se pensa nas fases do luto, e aqui mais precisamente na reorganização emocional
do indivíduo enlutado, cabe-nos apreciar como profissionais da área a questão
do sentido ou da resiliência - ainda que não se veja com a ótica focal de
algumas correntes – é plausível avaliar esta interface na condução do processo,
principalmente se o olhar estiver voltado para a questão existencial. Como
vimos anteriormente, pessoas que tem um objetivo, meta, algo para que e/ou quem
viver ou qualquer alvo semelhante, estão notoriamente sonhando com a vida, de
outra forma, pessoas que abriram mão de algum sentido ou nem se preocuparam em
encontrar, tornam-se pessimistas e desmotivadas no processo vital. A vida do Dr
Frankl é uma prova real, pois mesmo diante de vários lutos, investiu em si e na
vida - apesar de - e acreditando que
mesmo diante de tantas privações e sentimentos entenebrecidos, havia algo que
ninguém podia tirar dele e daqueles que assim acreditavam: a liberdade de
assumir uma escolha alternativa diante do obstáculo. Este projetar para o
futuro era o alimento para a alma que sedenta de vida. A história deste homem é
exatamente o que Nietzsche (1884) expressou em sua obra “Assim falava
Zaratustra”, quando se referiu ao super-homem - o homem que se supera, que se
inventa no presente – que ganha internamente força psíquico-orgânica para se refazer ou aprimorar-se.
Não obstante, os aspectos
relacionados à resiliência ou de uma pessoa resiliente favorecem uma comparação
ou aproximação de sentido, proposto pela logoterapia, tais como: capacidade de
ter projetos, bom humor, senso de auto-eficácia, autocontrole, auto-estima,
pensamento crítico, criatividade, perseverança entre outras. Portanto uma
pessoa no luto necessita enxergar o sentido ou encontrar e provocar uma ação resiliente de reorganização e
maturidade interna diante de um oponente, interno e/ou externo e quiçá
circunstancial. No mais, o nosso desejo é provocar estudos e pesquisas que
venham contribuir de alguma forma no avanço substancial, ou até mesmo
questionar, o assunto aqui proposto.
Referências
http://www.contemporaneo.org.br/artigos/artigo210.pdf
-
Artigo intitulado: “O Vazio Existencial: de Lacan à Contemporaneidade” de
Márcia Maria Luz da Silva; Venus Maria Nogueira; Dr.Vanderlei Brusch de Fraga
(2009).
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J. William – Terapia do luto: um manual para o profissional de saúde
mental/J.William Worden; Trad. Max Brener e Maria Rita Hofmeister.-2.ed-Porto
Alegre:Artes Médicas, 1998 (páginas 53-81)
BOWBY,
John, 1907-1990. Formação e rompimento dos laços afetivos/Jonh Bowby; tradução
Álvaro Cabral; revisão da tradução Luis Lorenzo Rivera. - 4ª Ed. - São Paulo:
Martins Fontes, 2006 – (Psicologia e pedagogia)
FREUD,
Sigmund (1917) Luto e Melancolia, edição standard brasileira (vol.XIV). Rio de
Janeiro: Imago, 1996
_____.
Conferências e introdutórias sobre psicanálise. Os caminhos da formação dos
sintomas. Conferência XXIII; 1917.
www.psicologia.com.pt
– Artigo como o tema Viktor Emil Frankl: Um exemplo de resiliência, apresentado
por Ana Lucia Lima; publicado em 17/09/2010
FRANKL,
Viktor E. Em busca de sentido. Um psicólogo no campo de concentração. Trad.
Walter Schluppp e Carlos Aveline. São Leopoldo; Petrópolis: Sinodal; Vozes,
1995
______.
A presença ignorada de Deus/ Viktor E. Frankl. Traduzido por Walter O. Schlupp
e Helga H. Reinhold. 10. Ed. Ver, - São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes,
2007
PEREIRA,
Isidro S.J.Dicionário Grego-Português e Português- Grego – 8ª Ed. – Braga:
Livraria Apostolado da Imprensa, 1998
SOUZA,
Marilza Terezinha Soares de & CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira - Artigo
Resiliência Psicológica: Revisão da Literatura e Análise da Produção
Cientifica, Revista Interamericana de Psicologia/Interamerican Journal of
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ANTHONY, E. J. & COHLER, B. J. (1987). (Eds). The
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FERREIRA,
A. B. de H. (1999) Novo Aurélio: o dicionário do Século XXI. São Paulo: Nova
Fronteira.
YUNES, M. A. M. & SZYMANSKI, H. (2001). Resiliência:
noção, conceitos afins e considerações críticas. Em: Tavares J. (Org.)
Resiliência e Educação, (pp. 13-42). São Paulo: Cortez.
NIETZSCHE,
Friedrich (1884). Assim Falava Zaratustra. Tradução José Mendes de Souza; Fonte:
EbooksBrasil
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